Dados em ação de 2020: destaque no Brasil
Em meio à pandemia Bolsonaro intimida críticos com uso de Lei símbolo da Ditadura Militar
Eduardo Burkle
*Originalmente publicado em “The Loop” em 01.04.2021
O presidente Jair Bolsonaro enfrenta críticas da mídia e da sociedade civil por sua resposta desastrosa à pandemia. Ao reviver a Lei de Segurança Nacional para intimidar seus críticos, Bolsonaro dá mais do que um aceno ao passado autoritário do Brasil, escreve Eduardo Burkle.
A Ascenção do populismo de extrema direita no Brasil
A vitória de Bolsonaro na eleição de 2018 marcou outro capítulo no sucesso de populistas de extrema direita na última década. Ex-membro das forças armadas, Bolsonaro elogiou a ditadura militar que governou de forma autoritária o Brasil de 1964 a 1985. Ele também é conhecido por sua retórica anti-direitos humanos.
A vitória de Bolsonaro significou o retorno dos militares ao palco principal da política brasileira, agora por meio de eleições democráticas, em vez de um golpe de Estado. Bolsonaro tem, em suas próprias palavras, um gabinete “completamente militarizado“. Em março de 2021, 7 dos 22 ministros eram das forças armadas.
A relação entre Bolsonaro e os militares está em crise após a repentina demissão do ministro da Defesa do Brasil, general Fernando Azevedo e Silva. Em retaliação, os chefes de todos os três ramos militares renunciaram.
Embora o papel dos militares no futuro do governo de Bolsonaro possa agora ser uma incógnita, ele ainda constitui a espinha dorsal da base política bolsonarista. O Brasil se recusou a reconhecer seu passado ditatorial. Dessa forma, os militares permaneceram uma instituição confiável, capaz de interferir na política, cujo apoio tornou o Bolsonaro presidencial. O discurso de Bolsonaro, alinhado com as Forças Armadas, também o retratou como um herói patriota.
O sucesso do populismo de extrema direita e seus efeitos sobre a democracia e os direitos humanos no Brasil estão estreitamente ligados aos militares e ao legado da ditadura. A falta de medidas de justiça de transição está intimamente ligada ao sucesso populista de Bolsonaro e do papel dos militares em seu governo.
A experiência Brasileira de Justiça de Transição
A democratização no Brasil é marcada por uma transição lenta e controlada do poder dos militares para os civis. Isso significou, na prática, uma amnésia coletiva em relação às violações dos direitos humanos perpetradas ao longo de 21 anos de regime militar. Ao contrário de outros países, incluindo seus vizinhos do cone sul, a transição do Brasil para a democracia ocorreu sem medidas de justiça transição significativas.
Ao longo dos anos, o governo colocou em prática apenas medidas esparsas de justiça de transição. Estas iniciativas se concentraram principalmente em reparações às vítimas e suas famílias. De 2003 a 2016, período que contou com o Partido dos Trabalhadores no poder, o Brasil parecia mais disposto a enfrentar seu passado autoritário, desenvolvendo projetos voltados para a memória e a verdade.
Esse processo culminou com a criação da Comissão Nacional da Verdade, ativa entre 2012 e 2014. Em seu relatório final, a Comissão nomeou 377 autores de violações de direitos humanos durante o regime militar. Também apresentou uma contagem oficial de 434 vítimas da ditadura.
Embora tenham havido alguns avanços, a justiça de transição é insuficiente no Brasil. Não foram realizados julgamentos de agentes do Estado envolvidos em tortura ou desaparecimentos forçados. Partes do arcabouço jurídico da ditadura permanecem válidas no ordenamento brasileiro.
A Lei de Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, fazia parte da estrutura que permitia o funcionamento da ditadura. Seu objetivo era silenciar a dissidência por meio da repressão política e da limitação dos direitos individuais. Esta lei, um símbolo do regime militar, agora está sendo usada contra os críticos do governo Bolsonaro.
‘A pior performance de qualquer governo mundialmente’
Em março, o Brasil contabiliza 300.000 mortes por Covid-19. A Fundação FIOCRUZ diz que a situação representa “o maior colapso de saúde pública e hospitalar da história do Brasil”. Bolsonaro adotou uma abordagem populista ao lidar com a pandemia minimizando o vírus e politizando a vacinação, o uso de máscaras e a adoção de medidas de bloqueio.
A resposta desastrosa do governo Bolsonaro é, de acordo com o Instituto Lowy, o pior desempenho de qualquer governo em todo o mundo. A forma inadequada de lidar com a pandemia gerou fortes críticas da oposição, da sociedade civil e da mídia. Uma investigação liderada pela ONG Conectas e pela Universidade de São Paulo afirma que o Bolsonaro adota uma ‘estratégia institucional‘ para disseminar o vírus.
Entre seus críticos está o influenciador digital Felipe Neto, com mais de 40 milhões de inscritos em seu canal do YouTube. Depois de chamar o presidente de ‘genocida’, Neto foi acusado de ameaçar a segurança nacional por Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente, e foi investigado e intimado pela Polícia Federal. Após decisão judicial, a investigação encontra-se suspensa. Na mesma semana, cinco manifestantes foram detidos na capital do país por segurarem uma placa dizendo ‘Bolsonaro Genocida’. Em ambos os casos, a Polícia Federal utilizou a Lei de Segurança Nacional como base legal para justificar suas ações.
Independentemente se as ações de Bolsonaro podem ser definidas como um genocídio ou não, há uma clara violação dos direitos de seus críticos à liberdade de expressão. Enquanto a democracia e os direitos humanos enfraquecem no Brasil, o uso de uma lei da era da ditadura para silenciar visões dissidentes é sintomático de um processo de autocratização. O populismo de extrema direita de Bolsonaro não é apenas nostalgia da ditadura, mas, indiscutivelmente, um sucessor do regime militar.
Autocratização e Direitos Humanos no Governo Bolsonaro
Os índices de qualidade da democracia mostram um declínio geral dos traços democráticos no Brasil. Os dados da Human Rights Measurement Initiative, por sua vez, são uma ferramenta poderosa para medir o desempenho dos países na proteção direitos humanos. Esses dados também são um barômetro da rapidez com que os processos de autocratização afetam tais direitos.
Observando as tendências de dados ao longo do tempo, os efeitos da autocratização sob o Bolsonaro são evidentes. De 2017 a 2019, e especialmente desde 2018, quando Bolsonaro assumiu o cargo, vemos uma queda significativa no respeito do Brasil pelo direito de opinião e expressão.
Pontuação do Brasil: Direito à liberdade de opinião e expressão
Fonte: HRMI 2020 rightstracker.org/pt
O ocaso da democracia, ecoando seu passado
Críticos do governo como Felipe Neto criaram uma iniciativa que garante assistência jurídica a pessoas cujo direito à liberdade de expressão foi violado após criticarem Bolsonaro. Por outro lado, enquanto o número de mortos por coronavírus bate recordes no Brasil, o governo comemora a decisão de um Tribunal Federal que permitiu que o golpe de 1964 fosse celebrado como um “marco da democracia“.
A falta de implementação de medidas de justiça de transição após a democratização do Brasil ajuda a explicar como Bolsonaro chegou ao poder e como a democracia e os direitos humanos estão em declínio no Brasil.
Ao não lidar com seu passado, o Brasil reviveu o autoritarismo – desta vez por meio de um líder populista de extrema direita.
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